Sunday, March 26, 2006

REPRESSÃO EM CUBA.

‘O calor da Primavera’, de Raúl Rivero

«No autocarro que nos levava para a prisão, uma manhã de Abril de 2003, perguntei ao poeta e jornalista Ricardo González Alfonso qual havia sido para ele o momento mais duro durante o fulminante processo que nos condenou a passar 20 anos na prisão por escrever e dar opiniões no país em que nascemos. ‘A noite em que puseram na minha cela o rapaz que iam fuzilar no dia seguinte’, disse-me, e meteu a cabeça entre as mãos, muito juntas por obra e graça das algemas. Muito juntas, como se fosse começar a rezar. ‘O que é que lhe disseste, de que é que falaram essa noite?’Fiquei calado, não falamos de quase nada. Ele era um homem sem crenças religiosas e iam matá-lo ao amanhecer. O que é que lhe podia dizer? Creio que, quando o foram buscar e ele se levantou do beliche, senti que algo de mim ia com ele. É assim, a vida. O azar ou a ambição e a maldade de um ditador levam-te a lugares que não queres, em viagens reais ou sonhadas.Este sábado [18 de Março], eu, que sou só um homem livre devido à Espanha e por vontade de muitos homens livres no mundo, viajo às prisões onde 60 amigos meus, 25 deles jornalistas, estão há 36 meses fechados a cadeado apenas porque a sua maneira de ver o mundo (o seu mundo) não coincide com a do Governo que Cuba tem desde os anos 50 do século passado. Fazem hoje três anos que aconteceu ali a Primavera Negra e continuam obscuros e nocturnos os Verões e os leves Invernos, e o Outono, desapercebidos.Lá estão Ricardo González e Pedro Pablo Alvarez, no Combinado do Leste, de Havana, empenhados em escrever poemas atrás do ferro das grades pintadas com alcatrão. Lá estão Luís Milán e José Rámon Castillo, a rabiscar sonetos na prisão de Santiago de Cuba, e Normando Hernández e Horácio Piña, na de Pinar del Rio, doentes, amontoados, em perigo. No centro do país, próximo de Varadero, com os seus 22 quilómetros de espuma e água azul, Ariel Sigler Amaya, condenado a 25 anos, mas mais atormentado por a sua mãe, uma anciã octogenária, ter a casa cercada por turbas governamentais que a insultam [os chamados ‘actos de repúdio’, frequentes nos anos 80, agora de regresso]. Lá estou, com todos eles, hoje e até ao dia em que chegue a liberdade.»
Este artigo teve a aprovação do exmo. Comandante Guélas
Viva o Comandante Guélas

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