NÃO TENHAMOS RECEIO
Palavras proferidas por sua excelência o Presidente do Conselho, na sessão de propaganda da candidatura do senhor Contra-Almirante Américo Tomás, no Palácio dos Desportos, em Lisboa, em 4 de Junho de 1958.
"Cinco minutos bastam para o que devo dizer. Chega ao fim a campanha eleitoral, não como desejáramos mas como pôde ser. Caracterizou-se esta por manifestações, dispensáveis para a apresentação dos candidatos e confronto dos seus méritos ou mesmo para a comparação de ideologias e programas, se tem de sofrer-se em cada eleição presidencial uma sorte de plebiscito sobre a estrutura do Estado e todos os problemas da Nação. Esta revisão enciclopédica a que tão liberalmente nos temos submetido foi desta vez acompanhada de atentados à ordem pública que perturbaram a tranquilidade habitual do nosso viver e podem ter deixado nalguns espíritos uma sombra de dúvida ou de receio. Perdemos um pouco no bom-nome penosamente granjeado em muitos anos; ganhámos em podermos interrogar-nos à luz dos factos, sobre se se tratou duma campanha eleitoral à portuguesa ou à americana ou da preparação à sua sombra de movimento sedicioso à russa. O espírito de subversão que surdiu aqui e além está seguramente em todos os países civilizados fora das regras do jogo eleitoral.
Nós temos trabalhado e continuaremos trabalhando na consolidação de um sistema de vida e de governo em que a ordem resulta sobretudo da disciplina espontânea de cada um e do respeito pelos outros, e por isso nos abstemos de agitar paixões malsãs que entre os portugueses espalhem a divisão. Não fazemos apelo à violência, não diminuímos ninguém e a todos queremos prestar justiça. Pois agora teremos de pacientemente varrer a sementeira de ódios com que por acto de outrem a atmosfera do País se envenenou.
Mas quero afirmar com a fria serenidade habitual que dessa ou de outra forma se há-de restabelecer e rapidamente o ambiente de calma essencial à vida colectiva, quero dizer que o faremos em todas as circunstâncias e pelo emprego de todos os meios ao dispor da autoridade.
Apesar de tudo, regozijamo-nos com o facto de as oposições se terem disposto a concorrer à eleição presidencial, e o Governo tem feito os máximos esforços e lutado com as maiores dificuldades para possibilitar-lhes a actividade e levá-las até às urnas. Pela primeira vez, suponho, temos de enfrentar em cerrada coligação todos os que por qualquer motivo - de doutrina, de sentimentos ou de interesses - se conjugaram não para a renovação, como alguns pensaram, mas para a subversão do regime. Seja qual for a sua representação, larga ou restrita, a presença nas urnas contradiz, e clamorosamente - como aliás já aconteceu com toda a propaganda - um dos lugares comuns desta, o medo, contra cujo fantasma se fingiu ter de lutar.
A Eleição será assim uma prova de força que podemos permitir-nos no próprio campo do adversário. Nós estamos por demais habituados a um comodismo fácil em que a uns tantos incumbem as duras tarefas não só de conceber e realizar o que importa ao bem da Nação como de sacudir os inertes, alertar os descuidados, proteger os tímidos. Eu vejo aproximarem-se tempos em que maiores sacrifícios do que o voto hão-de ser exigidos a todos para defesa do bem comum e mesmo do interesse legítimo de cada qual. Podem vir tempos em que é preciso estar disposto a lutar duramente; e felizes aqueles que tiverem quem os congregue, os conduza, lhes indique o caminho e assegure com o seu concurso à vitória.
Não está no meu temperamento fazer apelos fáceis ao trágico, nem é esse o alcance destas palavras. Acho porém oportuno lembrar que nestes tempos difíceis nenhum dos bens que usufruímos está seguro, se nós mesmos não quisermos contribuir para a sua segurança. Nem a independência e integridade da terra pátria, nem a paz, nem a ordem, nem as comodidades e bens, nem o recato dos lares, nem a liberdade das consciências, nem a economia, nem o trabalho, nem os melhoramentos ou empreendimentos públicos – nada é seguro senão na medida em que nós próprios defendemos os princípios de que tudo isso dimana ou em que tudo isso assenta e estamos prontos a bater-nos por eles.
Mas eu queria afastar de mim hoje – e deploro não tê-lo conseguido inteiramente – toda a severidade e dureza, pois que o meu propósito era apenas fazer um apelo final, alegre e confiante, à vossa lealdade e, se for preciso, também à vossa coragem, para a eleição do novo Presidente da República. Há decerto numerosos descontentes e os governos têm de activar ou corrigir a sua acção no que importe para desfazer esses descontentamentos. Há muitos incrédulos de alma vazia, que temos a obrigação de tentar converter à nossa fé patriótica. Haverá portadores de convicções muito afastadas das nossas e que devíamos esclarecer. Há todos esses e talvez por nossa culpa. Mas nós somos todos os mais. Somos tantos os que comungamos no mesmo ideal, somos tantos os que estamos ligados pela mesma compreensão do interesse pátrio, e temos trabalhado e sofrido para maior prestígio e engrandecimento da Nação que ela não hesitará sobre quem pode servi-la e, como até aqui, dignamente representá-la. Não tenhamos receio.
Coronel Bigornas
Este artigo teve a aprovação do Exmo. Comandante Guélas
Viva o Comandante Guélas